Somos todos feitos de cinzento

Acho que aquela treta de que todas as pessoas que passaram na nossa vida trouxeram algo de bom é verdade. Há excepções, é certo. Mas também é certo que há pessoas que me passaram pelas mãos que, apesar de terem sido erros, apesar de terem sido desilusão, mágoa, rancor, etc etc, também foram momentos bons, também foram memórias que me aquecem a alma, também foram principalmente aprendizagem.

Essas coisas só sabe quem sente. Só nós, que lidámos com essas pessoas e com o que de mau elas disseminaram em nós, sabemos o bem que elas nos fizeram. Isto porque somos nós que sentimos e vivemos as duas metades da sua presença. Então ninguém, além de nós, vai perceber que mesmo que essa pessoa tenha sido uma pedra no caminho, um buraco no percurso, uma lasca no pé, foi também uma pausa para descanso merecido. Forçado, é certo. Doloroso, quiçá. Mas merecido. Frutuoso.

Eu tenho pessoas assim na minha vida. Ou tive. Tenho e tive. Tive porque já não as tenho (eliminei-as). E tenho porque me deixei ficar com a metade boa delas. São pessoas que me ensinaram alguma coisa mas, mais do que isso, são pessoas que ainda assim me fazem sorrir, quando relembro um excerto do que com elas vivi.

Uma frase mais cómica, mais doce, mais inusitada. Uma aventura regada a álcool ou a sono. Ou às duas coisas!! Um gesto despretensioso de carinho, de amizade, de companheirismo. Um pedaço de sabedoria surpreendente. Tudo isso e muito mais ficará comigo enquanto a memória me valer.

Por isso é importante agradecer. Mais do que isso, perder algum tempo a olhar para essas pessoas, à distância física e do tempo - o necessário para fazer o luto da sua perda, perdoar tudo o que de negativo deixaram - , e perceber que ninguém é totalmente mau, assim como ninguém é totalmente bom. As pessoas, assim como as marcas que elas nos deixam, não são feitas a preto e branco. Chegar a essa conclusão é sinónimo de amadurecimento emocional. É a prova viva de que nenhuma verdade é irrefutável e que nunca somos velhos demais para nos mutarmos de dentro para fora.

A partir daí, tudo será diferente.

Catarina Vilas Boas



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