Who are you beneath your mask?

Essa questão só não atormenta a quem se julga sem máscara, e isso é perigoso. É perigoso porque todos a temos e o primeiro passo para a insanidade é pensar o contrário. Acreditar que aquilo que somos no e para o mundo é realmente quem somos.

O mundo não somos nós. Por mais importante que seja o papel do "eu" na nossa vida, deixamo-nos todos domesticar (uns mais, outros menos) pela sociedade que nos rodeia, pela pressão da manada, pelas convenções sociais, pela padronização da calçada que pisamos e das paredes que nos retêm, parcamente semeadas de janelas dúbias ao longo de metros e metros de falsa brancura. Ter essa consciência é fundamental. Ter a consciência que não somos, no mundo, tudo o que poderíamos ser, para o bem e para o mal, é essencial para viver em plenitude.

Porque ninguém consegue usar uma máscara 24 horas por dia. E quem vive na utopia de que é capaz de o fazer, dissemina-se no mundo como uma peste, engano atrás de engano nas vidas de quem lhe cruza o caminho. São pessoas feitas de mentira. 

As máscaras são precisas. Até para que nos possamos conhecer em solidão e aprofundar a essência do nosso ser. Mas podem sair. Com determinadas pessoas, em determinadas ocasiões. Há coisas que, como "de quem eu gosto, nem às paredes confesso": as invejazinhas que não admitimos a ninguém, os ciúmes que nem sempre são amorosos, os sonhos mais tresloucados, a gabarolice em que caímos subtilmente em pensamentos, os desejos e os medos mais profundos. 

Mas outras que confessamos, não às paredes, mas em quem confiamos. Pode ser um gesto pequeno. Pode ser um puxar de cigarro em frente a quem não sabe que fumamos, um "guilty pleasure" em que não nos damos ao luxo de cair em qualquer lado, dançar em frente a quem nunca nos viu dançar, cantar para quem nunca nos ouviu, uma conversa sobre comida ou sobre sexo. Para tudo um tempo, para tudo um sítio, para tudo uma pessoa.

Tudo menos criar um ideal paradisíaco de confiança e suposto conhecimento que o tempo traz. Nem sempre traz, desenganem-se. Há gente que, passem os anos que passarem, não se dão a ninguém. Gente triste. Que usa a máscara até quando confrontada com a verdadeira fealdade que lhes é o rosto. Há gente que jura a pés juntos estar descoberta e que consegue burlar no engodo pobres inocentes às dúzias. 

E não somos todos pobres inocentes de vez em quando? 

Mas assim como "nem tudo o que luz é ouro", nem toda a burrice é irremediavel. Há gente que é burra uma vida inteira porque não sabe ser de outra maneira. E depois há gente que fica burra durante uns tempos mas acorda, eventualmente, para a realidade. Pode ser aos poucos. Pode ser de uma só vez. 

Eu sou apologista de que, a acordar para a realidade, mais vale ser como arrancar um penso, logo de uma vez. Não há pior do que ir espreitando a ferida para ver como aquilo está, repetidamente, até que o penso perca a cola e caia, deixando-nos com uma chaga ainda mais difícil de cicatrizar. 


Catarina Vilas Boas

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