Serei eu a única...

...a fazer um basqueiro descomunal sempre que como um péssego? É uma mistura de sucção com trincadelas que resultam numa boca cheia de fluidos e as bochechas de um peixe balão. Escrito assim até parece outra coisa... o que não deixa de ser perturbador a um outro nível, completamente diferente do que falo: a arte de comer um pêssego. 

A fazer disto arte, eu seria capaz de me lambuzar com o pêssego sem perturbar ninguém. Mas não. Quando eu como um pêssego é certo que alguém se vai queixar: ou a minha mãe que tem uma aversão enorme a este tipo de sons e só me dá apetites de lhe atirar o pêssego à testa sempre que me berra por causa disso; ou os colegas da Gazeta, que não me dizem nada mas que eu, que sou um bocado esquizofrénica, julgo estar a incomodar com os meus barulhos. Pode não parecer mas sou uma forte defensora que em ambiente de trabalho não se brinca!

A fazer disto arte não me sujava, não ficava com nódoas para a vida, não me escorria sumo pelo queixo, não ficava cheia de pêssego nas mãos e conseguia comer toda aquela nutritiva fruta sem deixar sequer um fiapo preso ao caroço. Esta última até consigo fazer, atenção! Mas só se o pêssego estiver verde. E ninguém gosta de pêssegos verdes. Digo eu.

Mas não sei fazer disto arte. Sempre que como um pêssego fico automaticamente constrangida porque até a mim me incomoda, pareço uma alarve. E se soa assim, imagino: como é que não há-de soar visualmente.

Talvez o problema se resolvesse se eu desse dentadas mais pequenas. Mas não consigo. Não adianta, adoro pêssegos. Adoro e, para mal dos meus pecados não nasci com a benção de comer de tudo e permanecer magra e eu - que nem magra sou, tenho que fazer pela vida e cortar nos hidratos e em tudo o resto que, graças a belzebu, sou uma boca santa - como fruta, muita frutinha e não só, é certo... mas faço do pêssego snack e tento transformá-lo, mentalmente, num bolo cheio de creme. 

Isto porque: depois de semanas e semanas sem inspiração, deu-me assim uma vibe. Quando isto me acontece, qualquer situação serve de ímpeto para eu escrever. Neste caso a vibe veio-me enquanto comia um pêssego. Tem sido raro, por isso agradeço.

E também porque: isto conclui-se numa espécie de teste. Um auto-teste para vocês, os poucos que me lêm, e para também para mim, que escrevo. A Língua Portuguesa é a coisinha mais bela e traçoeira que existe (já por isso é que é um subtantivo feminino) mas pior que ela, só as mentes poluídas de uma sociedade aprisionada que encara socialmente as coisas com grandes pudores mas as julga secretamente com a maior promiscuidade.



Não era tarde nem era cedo.
Catarina Vilas Boas

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