Confissões de uma gaja da noite

Eu sou mais fraca quando tento dormir sem sono. Quando tento dormir sem sono toda a mais pequena dúvida me atinge como um tsunami, um chorrilho de palavras disparadas e memórias apagadas que me abalam os alicerces. Fazem-me tremer em agonia cerebral, sufocam-me em ondas de saudade e de desgosto. A minha cama tem o poder de me despir. O travesseiro tira-me as máscaras, os cobertores derrubam-me as muralhas e a insónia confronta-me com a vida. A minha. A que levo, a que levei e a que quero levar. São diferentes, apesar de serem a mesma. Quantas vezes me viu nua a minha cama! Mais vezes do que qualquer homem, mais vezes do que o meu pai e a minha mãe que me deram banho, me mudaram a fralda e me vestiram incontáveis vezes. Porque a solidão da noite despe-me alma, não o corpo. E o espectáculo é tão deprimente, tão monstruosamente feio, que eu acho que se alguém me visse assim ficaria cego de nojo.

Não sei quem disse que "não matam mas aleijam". Não sei quem disse mas é verdade. E só nessas noites de cansaço mal concretizado é que me apercebo das feridas que carrego em mim. Que as tinha eu já sabia, ninguém é de ferro. Mas julgava-as cicatrizadas ou, pelo menos, não tão profundas. São horas depressivas e de extrema fragilidade, essas em que tento adormecer sem sono. São horas que parecem um sem fim. 

Mas elas findam. Que seria de mim se assim não fosse? De manhã chega o dia, tão rápido como a noite chegou. Inebriadas pelas poucas horas de sono mal dormido, as camadas pútridas do meu eu mais profundo voltam a esconder-se sob a persona que eu construí ao longo dos anos e que me aquece as voltas. Ninguém é tão feliz como eu, ninguém é tão forte como eu, ninguém é tão confiante e extrovertido como eu, ninguém é tão irreverente como eu, ninguém tem a minha inabalável auto-estima. Ninguém! Nem eu...

Catarina Vilas Boas 

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