De ter sido homem noutra vida

Eu sou tão cabra, tão cabra, tão cabra que acho que, numa outra vida, devo ter sido homem. E era um homem tão cabrão, tão cabrão, tão cabrão que Deus, para me castigar, decidiu fazer-me nascer mulher nesta reencarnação, para que eu sofresse na pele as dores e os castigos que infligi, enquanto homem, nas mulheres com quem travei conhecimento nessa outra vida.

A ingenuidade de Deus chega a comover-me. Sabe nada inocente!! Não ter pila não é um castigo mas sim uma bênção. Sem pila consigo melindrar mulheres e homens como, de certeza, não terei melindrado noutra vida. Quando tinha pila, os homens deviam levar-me a sério, fosse como uma ameaça ou como outro igual a eles. Mas sem pila e com mamas?! Os homens olham para mim como se eu fosse inferior a eles, um pedaço de carne, apetecível ou não, subestimando as minhas capacidades masculinas de ser filha da puta. E fica tão fácil sê-la! Porque os homens são burros. E pensam com a cabeça de baixo em vez de pensarem com a de cima.

Para além disso tudo, os homens são muito fáceis de quebrar. Sentem-se afectados e ofendidos pela mais pequena sátira e pensam nisso todos os dias, como se lhes estivesse um espinho cravado bem fundo no corpo. Os homens são seres mentalmente transtornados pelas adversidades da vida. Deixam-se abalar por qualquer coisinha e aí é vê-los a correr para debaixo das saias das mães. Ai que me dói um dente, ai que estou constipado, ai que ela partiu-me o coração! E as mãezinhas lá lhes dizem que eles hão-de arranjar melhor, põem-lhes a mão na testa para lhes medir a febre, fazem-lhes canja de galinha e vão com eles ao hospital porque burros velhos de 20 e tal anos não podem sentar o rabo numa sala de espera ou num consultório sem que alguém lhes dê a mão. A sorte dos homens é a sensibilidade feminina! Estão habituados a ela! E depois apareço eu, que fui homem noutra vida e não tenho sensibilidade nenhuma. E cada vez que vejo uma aberta na fraqueza dos seus tratos, acabo por os escangalhar em migalhas, entre os dedos, como se eles fossem um bolo de arroz. E sem grande esforço!

Agradeço todos os dias a Deus por me ter tirado a pila.

P.S.: Isto vale somente para homens que não são meus amigos. Os meus amigos não são homens! São gajas, como eu.


Catarina Vilas Boas

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